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29 de junho de 2022
Estupro, ameaças, vazamento de dados, calúnia, difamação e machismo: ameaças sofridas pela atriz Klara Castanho refletem o mundo em que vivemos
Entenda a polêmica
As traumáticas violências sofridas por Klara Castanho
No último sábado (25), a atriz Klara Castanho publicou nas redes sociais uma carta aberta revelando que havia engravidado após sofrer um estupro e que tinha entregado a criança para a adoção.
O relato aconteceu após o nome da jovem ficar entre os assuntos mais comentados do Twitter após ela ser alvo de matérias e publicações tendenciosas por parte da mídia. “Este é o relato mais difícil da minha vida. Pensei que levaria essa dor e esse peso somente comigo. No entanto, não posso silenciar ao ver pessoas conspirando e criando versões sobre uma violência repulsiva e de um trauma que sofri”, iniciou a atriz.
Desde então, uma onda de questionamentos e repúdio envolvendo nomes como o do jornalista Leo Dias e o da YouTuber Antonia Fontenelle teve início. O caso não apenas escancara a falta de ética jornalística e de outros profissionais, como abre espaço para a gente refletir sobre para quem estamos dando moral na internet e fora dela.
O que aconteceu com Klara?
Em seu relato, Castanho conta que estava longe da família e em outra cidade quando o crime de estupro ocorreu. “Estava completamente sozinha. Não, eu não fiz boletim de ocorrência. Tive muita vergonha, me senti culpada. Tive a ilusão de que se eu fingisse que isso não aconteceu, talvez eu esquecesse, superasse. Mas não foi o que aconteceu. As únicas coisas que tive forças para fazer foram: tomar a pílula do dia seguinte e fazer alguns exames”, relembrou.
A atriz disse que tentou seguir sua vida, na medida do possível. Até então, ela acreditava que as únicas sequelas seriam as psicológicas. “Somente a minha família sabia o que tinha acontecido”, pontuou.
Só que Klara, alguns meses depois, começou a passar mal. “Um médico sinalizou que poderia ser uma gastrite, uma hérnia estrangulada, um mioma. Fiz uma tomografia e, no meio dela, o exame foi interrompido às pressas. Fui informada que eu gerava um feto no meu útero. Sim, eu estava quase no término da gestação quando eu soube. Foi um choque. Meu mundo caiu. Meu ciclo menstrual estava normal, meu corpo também. Eu não tinha ganhado peso e nem barriga. Naquele momento do exame, me senti novamente violada, novamente culpada”, desabafou.
A vítima disse que se sentiu desrespeitada pelo médico que a atendeu e a obrigou a ouvir, contra sua vontade, o coração da criança: “Ele não teve nenhuma empatia por mim. Eu não era uma mulher que estava grávida por vontade e desejo, eu tinha sofrido uma violência. E mesmo assim esse profissional me obrigou a ouvir o coração da criança, disse que 50% do DNA eram meus e que eu seria obrigada a amá-lo. Essa foi mais uma da série de violências que aconteceram comigo. Gostaria que tivesse parado por aí, mas, infelizmente, não foi isso o que aconteceu. Eu ainda estava tentando juntar os cacos quando tive que lidar com a informação de ter um bebê. Um bebê fruto de uma violência que me destruiu como mulher”.
A atriz e sua família então procuraram uma advogada e decidiram entregar a criança para a adoção, atitude que, segundo Klara, foi a considerada mais digna e humana.
Como se não bastasse, após o parto, uma enfermeira ameaçou a artista, dizendo que, se aquela história vazasse, seria uma loucura. “Quando cheguei no quarto já havia mensagens do colunista, com todas as informações. Ele só não sabia do estupro (…) Apenas o fato de eles saberem, mostra que os profissionais que deveriam ter me protegido em um momento de extrema dor e vulnerabilidade, que têm a obrigação legal de respeitar o sigilo da entrega, não foram éticos, nem tiveram respeito por mim e nem pela criança”, lamentou Klara.
Quem vazou a história?
Muito provavelmente, profissionais da saúde que trabalham no hospital em que Klara Castanho deu à luz. Inclusive, o Conselho Regional de Enfermagem está apurando a denúncia feita pela atriz, de que teria sido chantageada por uma enfermeira da instituição.
O primeiro colunista a falar sobre o caso foi o Matheus Baldi, do Fofocalizando, programa do SBT. Em maio, ele publicou nas redes sociais uma notícia sobre uma suposta gravidez de Castanho. A postagem foi apagada após o jornalista ter sido procurado pela família da jovem.
Na sequência, a YouTuber Antonia Fontenelle publicou um vídeo dizendo que uma ex-atriz mirim da TV Globo tinha engravidado e entregado o filho para a adoção. Ela ainda aproveitou para polemizar, como de praxe, dizendo que a garota “não quis olhar para o rosto da criança”.
O jornalista Leo Dias, do Metrópoles, também publicou detalhes do caso após Castanho postar sua carta aberta. A matéria foi retirada do ar por Lilian Tahan, diretora de redação do portal, que disse: “Expusemos de forma inaceitável os dados de uma mulher vítima de violência brutal. A matéria foi retirada do ar”.
Após ter sido alvo de ataque nas redes, Leo Dias publicou um texto pedindo desculpas à Klara e dizendo que havia errado ao noticiar o caso. Fontelle também foi rechaçada nas redes, mas não admitiu o erro.
A YouTuber chegou a dizer que quem deveria estar sendo atacada era a pessoa de dentro do hospital que havia vazado a informação, não ela, “a mensageira”, conforme palavras da mesma.
Fontenelle também disse que, se Klara quisesse, a YouTuber poderia ir atrás de seu estuprador e que estava vendendo mais perfumes do que nunca, com seu nome envolvido em novas polêmicas. “Morro de orgulho de mim (…) Estou cheia de gente de lá de fora pedindo encomenda de óculos. O nome disso é respeito e credibilidade”, cutucou.
Adoção voluntária é lei
A adoção legal ou voluntária é garantida pela Constituição e está prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que diz que meninas e mulheres que engravidam e não podem ou não desejam ficar com os bebês podem entregá-los para a adoção sem que sejam responsabilizadas pelo ato.
Quem monitora e autoriza o processo sigiloso é o Poder Judiciário e a criança é adotada através do Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento.
Se Klara Castanho tivesse descoberto a gestação antes e quisesse realizar um aborto, ele também seria legal, uma vez que a gravidez era fruto de uma violência sexual.
Nesses casos, a vítima não precisa da autorização da Justiça nem apresentar provas ou um boletim de ocorrência para realizar o procedimento.
Last modified: 3 de março de 2023