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21 de junho de 2022
No Brasil não há aborto legal? Juíza e promotora causam revolta ao tentar convencer criança a seguir com gravidez de risco e fruto de violência sexual
Entenda a polêmica
Justiça nega aborto legal à vítima de estupro de 11 anos
A semana começa com mais um caso assombroso tomando os noticiários brasileiros. Em Tijucas, cidade localizada entre Balneário Camburiú e Florianópolis, uma menina de 11 anos está sendo coagida a manter a gravidez, consequente de um estupro, pela juíza Joana Ribeiro Zimmer e pela promotora Mirela Dutra Alberton, do Ministério Público de Santa Catarina.
A criança está em um abrigo há mais de um mês enquanto a gestação segue evoluindo, mesmo com todos os riscos para ela, como ruptura uterina, anemia, eclâmpsia e sequelas emocionais, conforme relata o The Intercept Brasil.
O veículo de comunicação divulgou partes da audiência a qual a vítima de esturpo foi submetida. Tanto a juíza quanto a promotora conduzem as perguntas de forma que a criança concorde com elas ou então não saiba o que responder.
“Em vez de deixar ele morrer – porque já é um bebê, já é uma criança -, em vez de a gente tirar da tua barriga e ver ele morrendo e agonizando, é isso que acontece, porque o Brasil não concorda com a eutanásia, o Brasil não tem, não vai dar medicamento para ele… Ele vai nascer chorando, não [inaudível] medicamento para ele morrer”, diz a promotora Mirela.
A juíza Joana, por sua vez, pergunta se a garota suportaria ficar mais um pouquinho com a criança no ventre. A autoridade pauta todo seu discurso em cima do fato da vítima estar com mais de 20 semanas de gestação, alegando que o aborto seria tipificado como um caso de homicídio – o que não é juridicamente verdade.
O desenrolar do caso
No dia 4 de maio, a mãe da criança de 11 anos levou a filha para o Hospital Universitário Professor Polydoro Ernani de São Thiago, ligado à UFSC, após descobrir que a menina havia sido estuprada e estava grávida.
Ao chegar no local, o aborto legal foi negado pela instituição, que alegou que só poderia fazer o procedimento sem uma autorização judicial até a 20ª semana de gestação – a criança estava na 22ª semana.
A mãe da vítima, que foi estuprada aos 10 anos de idade, foi então procurar auxílio judicial para que o aborto legal fosse enfim concedido. A autorização inicialmente foi dada pelo juiz Mônani Menine Pereira, do Tribunal do Júri de Florianópolis.
No dia seguinte, contudo, veio a reviravolta: o próprio Mônani cassou sua autorização, após petição feita pelo Ministério Público, que dizia que o caso estava sendo acompanhado pela Vara da Infância e pela Vara Criminal da Comarca de Tijucas, e que a adoção estava sendo cogitada. Foi quando Joana e Mirela assumiram o caso.
Para tornar a situação ainda mais insustentável, a Justiça autorizou que a criança fosse mantida longe da família, em um abrigo, alegando que a conduta seria para protegê-la do suspeito de ter cometido o estupro. Juristas, entretanto, acreditam que a manobra tenha sido pensada para que a gestação seguisse enquanto o caso em segredo de justiça fosse “cozinhado”.
Atualmente, a menina está na 29ª semana da gravidez. “Na minha trajetória de 50 anos, entre magistratura e advocacia, eu não tinha visto uma aberração dessas. Isso porque os médicos disseram que estavam prontos para simplesmente suspender a gravidez. E a juíza, junto com a promotora, resolveu que não”, inconformou-se Maria Berenice Dias, desembargadora aposentada do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, para o The Intercept.
Durante outra audiência divulgada pelo veículo, a médica obstetra Emarise Medeiros Paes de Andrade explica que a criança e sua mãe “tiveram um convencimento emocional de que deveriam levar a gravidez adiante” e que a criança “é uma pessoa que tem imaturidade cognitiva, biológica e emocional para tomar uma decisão”, sem contar nos danos físicos e emocionais de levar essa gravidez adiante.
Nas redes sociais, a reação negativa ao caso foi quase que unânime. “Já escolheu um nome para o bebê? Essa é uma das perguntas que uma juíza faz a uma criança de 11 anos grávida após estupro que procurou o serviço de aborto legal com sua mãe. A criança está há mais de um mês em um abrigo para não efetuar o procedimento”, escreveu a jornalista Tatiana Dias no Twitter.
“O corpo dela não é preparado pra isso, ela pode morrer, além de todo o trauma que uma gravidez fruto de estupro gera”, pronunciou-se Andréa Werner, jornalista e pré-candidata a Deputada Estadual/SP, também no Twitter.
Por ora, juíza e promotora não quiseram dar maiores explicações sobre o caso e dizem se pautar em cima da lei e de laudos médicos para tomarem a decisão de incentivar a adoção.
Last modified: 3 de março de 2023